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The Walking Dead #193 | Chegamos ao fim em uma casa na fazenda

Chegou a hora da despedida da HQ de The Walking Dead. Foram mais de quinze anos. 193 volumes. Quem acompanha qualquer publicação periódica de arte sequencial, seja de super-herói, mangá ou de qualquer outra coisa, tem plena consciência da dificuldade em se manter uma história por tanto tempo.

O quadrinho teve também arcos fechados, como o confronto com o Governador, a chegada a Alexandria, Hilltop, a guerra contra os Salvadores, contra os Sussurradores e diversos outros, menores, também muito importantes, mas sempre – sempre – continuados, levando em consideração tudo que fora construído antes, com a incerteza completa do amanhã. De cada passo. O terror andar lado a lado ao medo do desconhecido, e quando há crítica social envolvida, tais medo e terror saltam pela janela de nossas casas.

The Walking Dead nasceu como uma filosofia: a de que histórias pós-apocalípticas, em especial aquelas permeadas por hecatombe zumbi, tem um fim, mas não de verdade. O que acontece depois que Ben é morto ao final de A Noite dos Mortos-Vivos, de George A. Romero, pai dos zumbis modernos? Ou o que houve com o mundo de 28 Semanas Depois, ou com os sobreviventes dos mortos putrefatos do clássico do mestre Lucio Fulci, Zombie 2?

A HQ giraria em torno de seu protagonista, Rick Grimes, o policial de Kentucky acidentado e desacordado justamente durante o fim do mundo. Sem Rick, não há The Walking Dead (mesmo que a série de TV me prove o contrário a essa altura dos eventos, da mesma forma que as as derivadas, especialmente Fear The Walking Dead que continua repleta de possibilidades em sua quinta temporada).

The Walking Dead
“NÓS NÃO SOMOS OS MORTOS QUE ANDAM!”

Ter “The Farm House” (“A Casa na Fazenda”, em tradução livre) em mãos, sabendo tratar-se de uma despedida, é dilacerador. Faz em pedaços o coração de uma pessoa adulta, e por todos os motivos certos. Sou a favor dos desfechos pessimistas, desesperançosos. Gosto de sair do cinema, de fechar um livro, de terminar um jogo, de finalizar uma HQ, me sentindo desolado, incrédulo quanto ao futuro. É uma forma de seguir vivendo, sempre esperando, ou melhor, preparado, para o pior. The Walking Dead me entregou exatamente isso por diversas vezes, ao longo de todos esses anos que acompanho a epopeia morta-viva de Rick, Carl, Michonne, Sophia e tantos outros personagens que passaram a fazer parte de minha vida e de tantos outros fãs de quadrinho, de zumbis e de terror. Acontece que a edição final da HQ, tal qual o desfecho da quarta e última temporada do jogo The Walking Dead pelas mãos da Telltale, nos oferece uma mensagem de paz, de perspectiva, de que precisamos lutar por um mundo melhor. Olhos marejados, punhos cerrados, sangue seco no canto da boca.

Há duas edições, o evento mais significativo de toda a história de The Walking Dead tomou forma, ou seja, Commonwealth mudou radicalmente o desenrolar da vida de toda e qualquer personagem da saga. Michonne, Dwight, Eugene e, em especial, Rick, servem de atestado. Na #193, pela primeira vez em todos esses anos, lidamos com um grande salto temporal a fim de amarrar pontas, elucidar questões e, de forma um tanto quanto débil, tal qual o movimentar de uma carcaça ambulante, coloca Robert Kirkman, criador dos quadrinhos, a em conversa consigo mesmo. Em sua carta de despedida, o autor explica inclusive que havia planos de um final quando o grupo resolveu se estabelecer em Alexandria, dezenas e dezenas de edições atrás.

Kirkman conseguiu um grande feito. Suas palavras finais que embalam o desfecho surpreendente são tão ou até mais emotivas que os momentos mais difíceis que a HQ já viu. E foram muitos. O criador deu adeus a sua criatura, de forma consciente, meticulosa, cruel e bela. Fomos todos enganados de forma magistral! Até capas falsas foram encomendadas para as edições #194, #195 e #196, com o intuito de esconder o fim – todas feitas pelo ilustrador Charles Adlard, que marcou toda uma geração de fãs de horror com seu traço sensível enquanto grotesco, expressivo enquanto visceral.

The Walking Dead conclui sua história nos quadrinhos, mas a série de TV, capitaneada por Angela Kang, veterana roteirista, e com produção executiva do próprio Kirkman e do grande Greg Nicotero, discípulo de Tom Savini e responsável pelos cadáveres tão grotescos e maravilhosos do seriado, segue viva, assim como Fear The Walking Dead. A memória de Rick Grimes, seus feitos, legado e a perspectiva de um mundo melhor, possível, mudaram para sempre o apocalipse zumbi. E que privilégio putrefato foi poder acompanhar cada angustiante momento.


Fonte: Jovem Nerd