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[Análise] Resident Evil 2: Vale a Pena?

Quando a Capcom anunciou, em 2015, que faria um remake do clássico Resident Evil 2, dividiu opiniões. Boa parte do público queria experimentar o game com gráficos e jogabilidade atualizada, mas alguns preferiam deixá-lo exatamente como era.

Foram quase três anos até a desenvolvedora japonesa finalmente mostrar o que estaria por vir. Com um trailer na E3, a Capcom anunciou que faria uma “reimaginação” e não um remake propriamente dito, porque, apesar de a base do jogo original estar lá, algumas mudanças seriam implementadas, assim como novidades no enredo e cenários.

Resident Evil 2: Nova frente da delegacia de polícia. Fonte: captura de tela (PS4 padrão).

O que se vê em Resident Evil 2 é justamente isso: uma mistura entre o clássico e o moderno. A essência do jogo de 1998 está lá, mas a evolução da série em termos de jogabilidade e de tecnologia gráfica se faz presente. Apesar da excelência técnica, a reimaginação de Resident Evil 2 tem alguns problemas na hora de contar sua história.

Uma obra de arte

Zumbis são “responsivos” em Resident Evil 2. Fonte: Divulgação/Capcom.

A primeira coisa que chama a atenção em Resident Evil 2 são os gráficos e o design em geral. A qualidade visual proporcionada pela RE Engine, aprimorada desde Resident Evil 7, é indiscutível.

Leon, Claire e todos os outros personagens possuem os modelos mais realistas já vistos. Isso merece ser destacado, especialmente porque a Capcom tem um histórico de designs muito exagerados ou irreais, ainda que modelos de carne e osso fossem usados como base.

Também é necessário destacar o trabalho dos artistas visuais. Ainda que a RE Engine seja um motor gráfico excelente para retratar objetos do mundo real no universo do game, os cenários e mapas não seriam construídos sem eles.

Saguão da delegacia e outros locais foram reformulados. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

Parte das mudanças implementadas em Resident Evil 2 envolviam tornar os cenários mais condizentes com a realidade (como incluir banheiros na RPD ou escadas no saguão da delegacia). Os mapas continuam a ser grandes, mas receberam novas salas; algumas seções do jogo também foram bastante ampliadas, o que deu muito certo e intensificou o estilo metroidvania de se jogar Resident Evil na reimaginação.

Outro fator visual importante são os zumbis. Além de haver uma grande variedade deles, todos são muito bem desenhados e responsivos ao dano causado por Leon e Claire. Tiros na cabeça arrancam pedaços de carne dos rostos dos zumbis; braços e pernas podem ser decepados com disparos direcionados; corpos inteiros podem ser partidos ao meio com armas mais potentes. Outro destaque visual vai para as Ivies (as plantas encontradas mais para o final do jogo) que foram totalmente reformuladas e ficaram mais assustadoras.

O jogo foi testado em um PS4 padrão e apresentou uma qualidade gráfica muito boa para os padrões atuais. São observadas algumas quedas de FPS momentâneas no saguão central da delegacia e quando se olha para alguns inimigos se movimentando à distância.

Familiar, mas diferente

Laboratório da Umbrella sofreu grandes mudanças, com atualização da Ivy. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

O novo Resident Evil 2 abandonou o sistema de câmera fixa e usa o sistema por cima do ombro do personagem. Apesar de ser uma perspectiva que começou a ser usada quando a franquia se direcionou para a ação, a reimaginação do jogo de 1998 não é um jogo de tiro. O equilíbrio entre o moderno e o clássico trouxe novos ares movidos à nostalgia também em aspectos de gameplay.

O grande trunfo da câmera fixa nos jogos antigos era causar tensão ao limitar a visão do jogador. Agora Resident Evil 2 faz isso usando ambientes escuros, parcialmente iluminado por uma lanterna nas mãos de Leon e Claire.

A exploração, o manejo de recursos, puzzles e o backtracking que caracterizaram a fase clássica da série continuam a ser parte essencial da jogabilidade. Os arquivos voltaram a ser essenciais não somente para entender a história, mas para o seu progresso no jogo mesmo. Encontrar e consultar os mapas também é outro elemento que voltou a ter relevância na jogabilidade: com ele você sabe quais áreas não visitou ainda, quais devem continuar a ser exploradas, quais portas precisam ser abertas e quais itens você deixou para trás.

No entanto, esses elementos agora recebem novas camadas. “Derrubar” zumbis nas áreas pelas quais você já passou não é garantia de que elas estarão livres de inimigos. Nem sempre os “mortos-vivos” de Resident Evil 2 ficam mortos. Não se tornarão Crimson Heads, como no remake do primeiro jogo da série, mas estarão constantemente lá, caídos, até que você passe por ali novamente e os desperte.

“Mr. X” volta como um perseguidor para tirar a paz da sua exploração na RPD. Fonte: Divulgação/Capcom.

E se você precisar atirar de novo ou correr para escapar deles? Cuidado, os barulhos mais altos chamam a atenção do grande perseguidor do pedaço, o Tirano ou Mr. X. Isso tudo não cria exatamente uma dinâmica de stealth no jogo, mas é divertido e tenso evitar o som dos passos pesados dele ou, ainda, acabar dando de cara com o monstrengo em algum corredor apertado.

As batalhas contra chefes, outro ponto alto do clássico, trazem a mesma essência na reimaginação atual com uma abordagem mais criativa e dinâmica. Não vamos entrar em detalhes aqui para não estragar surpresas, mas ainda que esses encontros estejam reformulados, eles acontecem em momentos em que o jogador não está necessariamente esperando (assim como alguns sustos “clássicos” do original também mudaram de lugar).

História: o lado bom

Claire e Sherry têm um novo inimigo em comum. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

O novo Resident Evil 2 não segue à risca a trama do original. Alguns elementos novos foram adicionados à narrativa para dar mais profundidade e maturidade à história. Não estamos mais na era de Resident Evil com falas e dublagem estranhas, o que realmente eleva o padrão agora. Os atores não são dubladores conhecidos, mas entregam bons personagens. Mesmo com esse trabalho de qualidade elevado, o roteiro claramente tem falas que homenageiam os diálogos mais conhecidos do clássico também, em um fanservice sutil.

As adições ou pequenas mudanças implementadas nas campanhas só somam e tornam tudo ainda melhor do ponto de vista narrativo. Isso se faz presente especialmente na campanha de Claire, que apresenta mais elementos novos em termos de história do que a de Leon.

História: o lado ruim

Apesar do capricho técnico, RE2 ficou devendo uma história coesa. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

Mas no que Resident Evil 2 “deixou a desejar”? A reimaginação era a oportunidade perfeita para esclarecer a dúvida constante dos fãs sobre quais dos cenários de Leon e Claire eram os “canônicos” (aqueles que contam para a cronologia da franquia).

Sempre houve um consenso sobre a combinação “Leon B / Claire A” no clássico, mas a reimaginação não segue nem estes nem os outros dois para contar as visões dos personagens sobre os acontecimentos. O resultado final é uma mistura que pode criar mais dúvidas quanto ao cânone oficial da saga.

Outro problema com relação às campanhas dos dois personagens é que não há continuidade ou de complementaridade entre as histórias de Leon e Claire. Muitas coisas não se encaixam e existem muitos furos quando você tenta unir as duas partes.

Depois de concluir a campanha de um deles e iniciar a do segundo personagem, há alguns rastros de que seu colega sobrevivente passou por ali, mas ainda são necessários refazer os mesmos puzzles, destrancar as mesmas portas (ainda que chaves e peças estejam em lugares diferentes) e enfrentar os mesmos chefes, às vezes no mesmo lugar.

Leon e Claire também interagem muito pouco ao longo das campanhas e suas tramas individuais permanecem quase que totalmente isoladas, ao contrário do que acontecia no original. Isso tira um pouco da credibilidade da amizade construída entre os dois ou a vontade de escaparem juntos do mesmo pesadelo.

As Campanhas

As campanhas de Leon e Claire são duas partes de um todo. Em conjunto, as duas não funcionam muito bem devido aos furos na história, mas possuem pontos de destaque.

Leon Kennedy em Resident Evil 2. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

A campanha de Leon é “o feijão com arroz”. É mais rasa em termos narrativos e a mais conservadora no que diz respeito a ampliar a trama. Tudo fica bem restrito à relação dele com Ada Wong e na obtenção do G-vírus.

Já a campanha de Claire é bem mais ousada com a história. A relação com Sherry e a trama da família Birkin é bem mais explorada. Claire possui arsenal grande demais, deixando algumas armas encostadas no baú até que se saiba a real utilidade delas. Nada que comprometa, mas parece um pouco confuso.

Claire Redfield em Resident Evil 2. Fonte: Captura de tela (PS4 padrão).

As maiores diferenças e ampliações ficam com as partes dedicadas aos personagens secundários. O trecho jogável com Ada na campanha de Leon e o orfanato com Sherry são grandes avanços em relação às participações das duas no jogo original, mas continuam a ser bem pequenas quando se olha a escala da reimaginação. O orfanato traz um cenário totalmente novo, com uma jogabilidade diferente e uma nova ramificação para a história, mas deixa um gostinho de “quero mais” por ser muito curto.

Primor técnico com falhas narrativas

Fazer um remake (ou reimaginação, como a Capcom gosta de chamar) de um grande clássico é um imenso desafio. A desenvolvedora encarou o pedido de uma das comunidades de fãs mais ativas e responsivas dos games e entregou um ótimo resultado.

Resident Evil 2 mostra excelência técnica e uma evolução da Capcom iniciada com o lançamento de Resident Evil 7. Com uma nova engine gráfica e com a vontade de modernizar sem abandonar as raízes, a desenvolvedora vem acertando o ritmo de uma franquia que viva uma crise de identidade.

Apesar de suas falhas narrativas, Resident Evil 2 é um jogo bonito de se ver e gostoso de jogar. Definitivamente não decepciona, mas o hype de alguns pode ser maior do que a entrega.


Fonte: Voxel