Desde que a DC lançou seu próprio universo compartilhado nos cinemas, o estúdio lança decepção atrás de decepção, como os terríveis Batman vs Superman, Esquadrão Suicida e Liga da Justiça, que tentaram criar conexões entre si de maneira desastrosa, seguindo o modelo de sucesso do Marvel Studios. Em 2017, Mulher-Maravilha estreou, focado mais na própria trama do que no Universo DC como um todo, e obteve um bom resultado de bilheteria e de crítica. Agora, em Aquaman, James Wan toma a mesma decisão do filme da heroína, entrega uma história fechada em si mesma. O resultado é excelente.
Wan, que se consagrou como um diretor de filmes de terror, soube encontrar um bom equilíbrio entre comédia, ação, aventura e drama familiar, com pitadas de um road movie que passa por vários lugares do mundo e pinceladas de uma história do gênero coming of age, no qual vemos o protagonista amadurecer enquanto descobre mais sobre si mesmo.
A trama principal gira em torno de Arthur Curry (Jason Momoa) aceitar o lugar que ocupa dentro da civilização de Atlântida, e impedir que seu irmão, o Príncipe Orm (Patrick Wilson), declare uma grande guerra contra “o povo da superfície”, termo usado para se referir a todos aqueles que não vivem nas profundezas do oceano. No meio disso tudo, surge o vilão Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), que partiu numa jornada de vingança pessoal, jurando morte ao Aquaman.
O principal trunfo de Aquaman está no fato de que, mesmo que se fossem removidos os elementos fantásticos, o longa ainda seria um excelente drama. O conflito entre Arthur e Orm lembra, ainda que vagamente, as disputas de poder entre o Príncipe Hamlet e o Rei Cláudio, em Hamlet, de William Shakespeare, com o roteiro de David Leslie Johnson e Will Beall trazendo esses conflitos para um contexto atualizado e inserido no mundo dos super-heróis.
Aliás, o roteiro se aproveita muito do que acontece no nosso mundo nos dias de hoje para pintar um retrato da civilização Atlante. O Príncipe Orm, principal vilão do filme, é retratado como um líder vaidoso e egocêntrico que ganhou a popularidade dos Atlantes se baseando num discurso que dizia que a nação oceânica já não era mais o que era antes e de que é necessário fortalecer a soberania nacional para tornar Atlântida grande novamente, literalmente construindo um muro em volta da capital. Para bom entendedor, meio minuto basta, e o roteiro insere esses elementos de forma efetiva para lembrar o público de que é possível ir além do puro escapismo em uma aventura de super-heróis e se discutir temas importantes.
Apesar de Orm e seu conflito com o Aquaman ser bem construído, o mesmo não pode ser dito com o Arraia Negra. Abdul-Mateen II consegue dar ao vilão um peso dramático que surge dos acontecimentos da primeira cena do filme, e pode ser sentido pelo público. Porém o roteiro sacrifica todo o potencial do personagem ao torná-lo apenas uma ponte para uma continuação, em vez de explorá-lo como deveria. Mais uma vez, a DC errando por pensar no longo prazo em vez de concentrar esforços no presente. Faz parte.
Outro ponto positivo do roteiro é ser econômico ao contar a origem do herói. Nada de mostrar toda a jornada, da descoberta dos poderes, treinamento e clímax. O Aquaman já começa o filme como uma figura pop ao redor do mundo. David Leslie Johnson e Will Beall já partem para os finalmentes, contando os primeiros dias do personagem através de flashbacks pontuais e efetivos apenas quando necessário. O preenchimento das lacunas fica a cargo da imaginação de cada espectador.
Momoa convence como o protagonista, indo além das piadinhas mostradas em Liga da Justiça e nos trailers desse filme (nada de “Boo-yah!” aqui), dando a ele a imponência de um rei e agregando ao herói elementos da cultura polinésia, que se manifestam através de algumas palavras palavras da língua havaiana que aparecem nas falas do herói em alguns momentos do longa.
Aquaman é uma excelente aventura, uma daquelas que deixa um gostinho de “quero mais”. É a prova de que existe muito potencial dentro da DC e que tudo é uma questão de se ajeitar o rumo e se preocupar em contar uma grande história. Que venham mais como esse.
Fonte: Jovem Nerd