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Como Treinar o Seu Dragão 3 | Crítica

Todo longa-metragem que integra uma saga acaba passando por escrutínio extra. Afinal, além de analisá-lo como unidade isolada, é preciso contextualizá-lo em relação ao conjunto. Ainda mais quando se trata do episódio final — como é o caso de Como Treinar o Seu Dragão 3.

Levemente inspirada nos livros da inglesa Cressida Cowell (e bota leve nisso: os filmes têm pouco mais que os nomes dos personagens e a ambientação em comum com sua contraparte literária), a franquia logo se provou enorme sucesso de bilheteria. Do ponto de vista crítico, a empreitada da DreamWorks pode estar longe do caráter inovador, da força narrativa e da carga emocional de um peso-pesado como Toy Story; todavia, supera com folga outras séries animadas.

Boa parte do mérito se deve ao carisma da dupla central. Desajeitado e inseguro, Soluço (Jay Baruchel) é um herói imperfeito, cujas virtudes estão sujeitas a falha (sua persistência, por exemplo, às vezes se confunde com teimosia), o que o torna bastante identificável. Já Banguela cativa desde os primeiros segundos na tela. A mistura de traços caninos e felinos que caracteriza sua personalidade e seus movimentos reforça a ideia de que sua amizade com o humano reflete a de uma criança com um bicho de estimação — conceito aparentemente caro ao diretor e roteirista Dean DeBlois, que já o havia explorado em sua estreia nas telonas, Lilo & Stitch (2002)

Pois essa relação é colocada à prova no novo filme. Na trama, os cavaleiros de Berk entram em rota de colisão com um grupo de caçadores liderado pelo implacável Grimmel (F. Murray Abraham), que tem como objetivo exterminar os Fúrias da Noite. O único modo de salvar todos os dragões é sair à procura do Mundo Escondido, mítico lar das criaturas aladas.

O último capítulo da trilogia acerta ao retomar temas previamente estabelecidos. Assim como no segundo longa (2014), o fardo da responsabilidade pesa nos ombros de Soluço, que agora se vê forçado a tomar a decisão mais controversa desde que se tornou líder de seu povo. E a exemplo do que acontece no primeiro (2010), ele precisa abraçar a própria identidade — o que, desta vez, inclui reconhecer seu valor como indivíduo, independente do melhor amigo.

Banguela também tem um arco de autoconhecimento, consequência do encontro com uma fêmea de sua espécie. Por sinal, a interação entre os dois dragões rende alguns dos momentos mais adoráveis da franquia. Em especial, a corte na praia, que faz uma divertida referência ao filme de 2010.

Já o elenco de apoio tem seus altos e baixos. Astrid (America Ferrera) obviamente se destaca — a subtrama do casamento sugere um interessante paralelo entre o relacionamento dela com Soluço e o dele com Banguela, já que, em ambos os casos, os pares buscam equilibrar envolvimento e autonomia; infelizmente, a ideia é pouco desenvolvida e acaba desperdiçada.

Alguns dos outros coadjuvantes são relativamente bem integrados ao enredo, casos de Valka (Cate Blanchett) e os gêmeos Cabeça Quente (Kristen Wiig) e Cabeça Dura (Justin Rupple, substituindo o polêmico T.J. Miller). Por outro lado, Eret (Kit Harington), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse) e Bocão (Craig Ferguson) praticamente se limitam a participações especiais em Como Treinar Seu Dragão 3.

Nada que possa ser considerado uma falha grave. De modo similar, a conclusão agridoce que começa a se delinear lá pela metade do filme — e que envolve o destino dos dragões — se concretiza apenas brevemente, sendo logo substituída por um final feliz e esperançoso. Mas não dá para acusar os realizadores de se renderem às convenções hollywoodianas. É mais do que compreensível que eles tenham decidido encerrar de modo positivo uma saga infantil que sempre se pautou pelo senso de encantamento.

E convenhamos: nos dias de hoje, não são só as crianças que merecem sair do cinema com uma pontinha de otimismo.


Fonte: Jovem Nerd