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Crítica | Alita: Anjo de Combate

Dentre as diversas razões por trás do sucesso de Star Wars (1977), talvez uma das principais seja a limitação. Além das restrições técnicas da época, que fizeram com que os realizadores usassem todo seu talento e criatividade no desenvolvimento de efeitos inovadores, a descrença do estúdio em um gênero então considerado impopular obrigou George Lucas a se concentrar em apenas uma parte da história mais ampla que tinha em mente — afinal, aquela poderia ser sua única chance. O resultado foi um longa-metragem excepcional, que conquistou o público, se transformou em fenômeno cultural e possibilitou a expansão de seu universo.

Faz todo sentido. Ainda que o objetivo final seja estabelecer uma franquia cinematográfica duradoura, o primeiro passo deve ser simplesmente fazer um bom filme. A trilogia de Christopher Nolan para a DC, com Batman Begins (2005), e o MCU, com Homem de Ferro (2008), estão aí para confirmar o êxito da estratégia. É claro que há séries que tropeçam depois de um início auspicioso e outras que conseguem corrigir o curso no meio do caminho. Mas hoje em dia, infelizmente, Hollywood parece acreditar que ter uma propriedade intelectual com público cativo é suficiente para alavancar toda uma saga. Com isso, colocam o carro na frente dos bois e se esquecem de fazer o dever de casa, ou seja, criar um longa-metragem minimamente satisfatório — e não faltam exemplos recentes dessa mentalidade.

Tarimbado, James Cameron seguiu o caminho certo. Caprichou em Avatar (2009), a ponto de revolucionar a tecnologia de captura de movimentos e filmagem em 3-D, para entregar um filme decente e colher os frutos nas bilheterias. Só então é que passou a trabalhar nas oitocentas sequências planejadas. Curiosamente, na mesma época em que seu épico espacial-ecológico estava em estágio inicial, o cineasta começava também a conceber uma adaptação do célebre mangá cyberpunk Gunnm, de Yukito Kishiro, publicado originalmente entre 1990 e 1995 e conhecido no Ocidente como Battle Angel Alita (inclusive, esse é o título da recente edição brasileira, lançada em quatro volumes pela editora JBC).

Foi seu amigo Guillermo del Toro quem o apresentou à obra, ainda que em formato anime (apenas dois episódios, baseados nos dois primeiros volumes dos quadrinhos, foram produzidos nos anos 90), e não tardou para que Cameron tratasse de adquirir os direitos, ao lado do produtor Jon Landau. A ideia inicial era que ele mesmo dirigisse, mas seu envolvimento com Avatar acabou engavetando o projeto, até a chegada de Robert Rodriguez, em 2016. Quase duas décadas após os primeiros esboços, Alita: Anjo de Combate enfim chega às telas.

Ambientada em 2563, a trama mostra a Terra dizimada em decorrência de uma grande guerra ocorrida cerca de 300 anos antes e durante a qual quase todas as metrópoles flutuantes foram destruídas. A exceção é Zalem, a única que ainda paira no céu, habitada por uma elite e sustentada economicamente pela Cidade de Ferro. Esse caótico centro urbano localizado logo abaixo, na superfície do planeta, surgiu da confluência de sobreviventes do conflito. Lá vive o dr. Dyson Ido (Christoph Waltz), especialista no reparo de robôs e organismos cibernéticos. Durante uma excursão em busca de peças na pilha de sucata dispensada por Zalem, o cirurgião encontra o núcleo ainda vivo de uma ciborgue, que não tem nenhuma lembrança de seu passado. Depois de trazê-la para casa e recuperá-la, Ido a batiza de Alita (Rosa Salazar) e passa a cuidar dela como filha.

Visualmente impressionante, o filme se beneficia da estética de ambos os cineastas. Rodriguez, que na juventude se dedicava à produção de cartuns tanto quanto de curtas amadores, deixa evidente sua predileção pela arte original, seja no design de alguns personagens (como o dr. Ido, com seu martelo-foguete), seja na construção de cenas que buscam reproduzir a força dos painéis do mangá — casos das lutas no beco, no bar Kansas e no subterrâneo da cidade.

Por sua vez, Cameron (que já havia criado alguns conceitos visuais, mantidos no longa) prefere uma abordagem mais calcada na realidade, o que fica claro na mudança promovida na primeira adversária da protagonista — se em Gunnm ela é praticamente uma criatura saída do folclore japonês, na adaptação, a assassina (Eiza González) ostenta uma aparência insetoide. Surpreendentemente, veio do diretor de Titanic a controversa ideia de retratar Alita com olhos gigantes. Esse traço típico dos quadrinhos nipônicos causa certa estranheza no início, ainda mais em contraste com o fotorrealismo das feições da personagem. Porém, a sensação logo se dissipa, graças à performance envolvente da atriz.

Em termos de adaptação, o filme se mantém até certo ponto fiel à fonte. Algumas alterações são compreensíveis. Hugo (Keean Johnson), por exemplo, exibe personalidade bem diferente, o que modifica bastante suas motivações, bem como o significado de seu destino, além de fazer com que a heroína ganhe um interesse romântico mais convencional — algo que deverá agradar ao grande público.

No entanto, o roteiro de Cameron e Rodriguez, em parceria com Laeta Kalogridis, apresenta problemas. Um dos mais gritantes é Chiren (Jennifer Connelly), personagem que existe somente no anime, e que na versão para as telonas mostra-se irrelevante. Ela surge, executa ações pontuais, tem uma mudança de comportamento repentina e inverossímil e sai de cena de uma maneira que seria impactante, caso o espectador fosse levado, em algum momento, a se importar com ela.

A maior falha, todavia, é a insistência em enfiar elementos que, em teoria, serão desenvolvidos no futuro, muitas vezes prejudicando a própria estrutura do filme. Embora renda boas cenas de ação, a sequência na arena de motor ball (o esporte tem papel central em volumes posteriores do mangá) é desprovida de função narrativa — ela apenas atravanca o terceiro ato.

Já os flashbacks de Alita podem parecer essenciais à primeira vista, porém, servem só para explicar a origem de um artefato, introduzir uma mitologia que é dispensável no momento e apresentar Nova (Edward Norton) como a grande ameaça desse universo. Aliás, ao mostrar escancaradamente o chefão de Zalem como responsável por todos os males — colocando-o, inclusive, no meio da ação, “possuindo” o corpo de alguns personagens —, o script tira todo o peso de Vector (Mahershala Ali, desperdiçado), que poderia ser um vilão muito mais interessante. Sem falar que o filme já conta com outros dois bad guys, Grewishka (Jackie Earle Haley) e Zapan (Ed Skrein), um excesso de bandidagem.

Com tecnologia de ponta à disposição e o prestígio de seus realizadores a favor, Alita: Anjo de Combate acaba sendo apenas um filme de ação razoável, que entretém, mas está longe de cativar. É pouco, considerando os talentos envolvidos e a qualidade do material original. Parece que a ânsia da indústria em criar franquias em detrimento da história fez mais uma vítima.


Fonte: Jovem Nerd
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