Além do inegável mérito cinematográfico, a trilogia Batman, de Christopher Nolan, representou um marco na indústria do entretenimento, contribuindo para elevar os filmes de super-heróis a um novo patamar. Ao mesmo tempo, teve um involuntário impacto negativo, que já foi discutido exaustivamente: a insistência da DC em reprisar aquele tom sombrio e realista no estabelecimento de seu universo nas telonas.
A busca por uma abordagem semelhante à da bem-sucedida empreitada anterior não pode ser considerada uma estratégia ruim por si só. E ainda que o título de “visionário” atribuído a Zack Snyder pelos marqueteiros seja altamente questionável, sua escolha para comandar a gênese do DCEU não deixa de fazer sentido — Watchmen: o Filme (2009) ilustra bem a identificação do cineasta com a almejada leitura mais niilista do assunto.
Tal perspectiva, no entanto, é apenas um dos elementos por trás do sucesso de um longa-metragem como Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). Ali, o clima dark funciona não somente porque condiz com a natureza do Homem-Morcego, mas principalmente porque opera em conjunto com a construção dos personagens e o desenvolvimento dos temas, ambos executados com maestria. É justamente nesses quesitos que O Homem de Aço (2013) e Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) patinam, enquanto os desastrosos Esquadrão Suicida (2016) e Liga da Justiça (2017) falham miseravelmente.
Aos poucos, o estúdio parece corrigir a rota. Mulher-Maravilha (2017) e Aquaman (2018) são resultados do trabalho de equipes criativas com autonomia para simplesmente contar boas histórias, explorando a essência de seus protagonistas, sem ter de mirar o sucesso do concorrente ou se prender às idiossincrasias de um suposto “visionário”. Reiterando a boa fase, Shazam! aumenta essa lista de acertos.
O filme se inspira no Capitão Marvel originalmente criado por C.C. Beck e Bill Parker para a Fawcett Comics, em 1939, e cujos direitos foram posteriormente comprados pela DC Comics (que mais tarde teve de rebatizar o personagem como Shazam, em consequência de uma disputa legal com a Marvel). Todavia, a fonte principal para o roteiro é a versão repaginada do super-herói, introduzida em 2012, depois que a DC reformulou toda sua linha de quadrinhos com os Novos 52.
Na trama, Billy Batson (Asher Angel) é um adolescente solitário que foge de todos os lares adotivos pelos quais passa, na esperança de reencontrar a mãe, da qual foi separado ainda pequeno. Após ser encaminhado para uma nova e acolhedora família, o garoto acaba sendo eleito por um mago (Djimon Hounsou) para ser seu campeão e então transformado em um ser superpoderoso (Zachary Levi). Com a ajuda do irmão adotivo Freddy (Jack Dylan Grazer), Billy passa a tirar proveito de sua nova condição, até ser confrontado pelo Dr. Silvana (Mark Strong), também dono de habilidades mágicas.
Redondo, o script de Henry Gayden celebra o fascínio juvenil por super-heróis e HQs, explorando muitos dos clichês do gênero e ironizando as situações mais absurdas. O humor, inclusive, é um dos pontos fortes do longa, que, embora tenha entregado algumas de suas melhores piadas já nos trailers, ainda reserva várias cenas hilárias. A inevitável comparação com a comédia Quero Ser Grande (1988), por exemplo, ganha uma rápida, porém divertida referência. Nesse aspecto, destaca-se a atuação de Zachary Levi, impecável como criança em corpo de adulto.
Sua performance ganha força especialmente quando contrastada com a do sempre correto Mark Strong, que, apesar de aqui não interpretar o mais complexo dos vilões, traz certa gravidade, que o salva da caricatura. O roteiro também ajuda, ao colocar Silvana e Shazam em lados opostos, mas com elementos em comum, como o fato de ambos fazerem escolhas erradas e, em algum momento, compartilharem a mesma motivação: a busca por identidade e aceitação.
Em contrapartida, é a versão adolescente do herói que fica responsável por boa parte dos conflitos emocionais — e Asher Angel demonstra ter o alcance necessário. O maior destaque do elenco jovem, no entanto, vai para Jack Dylan Grazer, que, além de ter ótima química com o personagem central e exibir talento cômico, ainda dá vida a uma boa passagem dramática do filme.
Por sinal, o diretor David F. Sandberg, mais conhecido por sua experiência com terror, à frente de Annabelle 2: A Criação do Mal (2017), oferece mais um contraponto à predominante leveza, inserindo um senso de perigo que remete a clássicos oitentistas, como Os Goonies (1985), e, assim, reforça o espírito um tanto saudosista do longa.
Já as sequências de ação, menos frenéticas do que em muitos de seus pares, acertadamente têm a função de fazer o enredo avançar. O terceiro ato, por exemplo, segue a tradicional fórmula do confronto final entre mocinho e bandido, só que com o acréscimo de uma simples e eficiente surpresa que retoma e amarra o tema principal — sendo precedida por um excelente toque de humor anticlimático.
Shazam! é uma aventura irreverente, despretensiosa e envolvente, provando que não é preciso mergulhar nas trevas para criar um filme de super-herói marcante. Talvez a DC devesse ter se inspirado em outro filme de Christopher Nolan para construir seu universo cinematográfico. Afinal, como aponta Cobb (Leonardo DiCaprio), em A Origem (2010): “Uma emoção positiva sempre supera uma negativa”.
Fonte: Jovem Nerd