Peça para um grupo de cinéfilos descrever o estilo de Tim Burton e você certamente ouvirá adjetivos como “sombrio” ou “gótico”, bem como menções ao seu “visual único”. De fato, o norte-americano é dono de uma assinatura bastante reconhecível e que, no entanto, não se restringe à questão estética — é possível identificar uma série de temas permeando a filmografia do diretor e contribuindo para sua coesão.
O conflito entre filho e pai, por exemplo, está presente no relacionamento de Will (Billy Crudup) e Ed Bloom (Albert Finney/Ewan McGregor), em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003), bem como no de Willy (Johnny Depp) e o dr. Wonka (Christopher Lee), em A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005). Já a contestação da submissão da mulher caracteriza personagens como Alice (Mia Wasikowska), de Alice no País das Maravilhas (2010), e Margaret Keane (Amy Adams), de Grandes Olhos (2014). Todavia, o tópico mais emblemático da obra de Burton, ao lado do fascínio pela fantasia e pelo sobrenatural, é sem dúvida a predileção pelos párias, que protagonizam muitos de seus longa-metragens, como Edward Mãos de Tesoura (1990), Ed Wood (1994) e O Lar das Crianças Peculiares (2016).
Não é surpresa, portanto, que ele tenha abraçado o projeto de Dumbo. A trajetória do elefantinho considerado uma aberração por causa de suas orelhas avantajadas se encaixa perfeitamente no tipo de história de redenção dos rejeitados que o cineasta gosta de contar. Ao mesmo tempo, o caráter extremamente autoral de seu trabalho lhe dá liberdade para se apropriar do material original — neste caso, afastando-se de modo radical da animação de 1941, baseada no livro infantil Dumbo, the Flying Elephant, de Helen Aberson e Harold Pearl.
Ao abandonar o conceito central do desenho, em que os animais têm consciência e capacidade de fala, o filme divide o foco narrativo, abrindo espaço para os humanos. Na trama, de volta aos EUA depois de ter um braço amputado na Primeira Guerra Mundial, Holt (Colin Farrell) tenta retomar sua carreira como caubói de circo. No entanto, a companhia se encontra em crise financeira, e seu dono, Max Medici (Danny DeVito), decide comprar a senhora Jumbo, uma elefante prenhe, na esperança de que o apelo do filhote traga o público de volta. Quando o talento de Dumbo é revelado, o pequeno astro entra na mira do megaempresário do entretenimento V. A. Vandevere (Michael Keaton).
O roteiro de Ehren Kruger explora outros dos já mencionados assuntos favoritos de Burton — o antagonismo entre gerações (aqui, sob a forma da praticidade adulta contra a emotividade infantil) é representado pela dificuldade de Holt em se conectar com os filhos, Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins). Aliás, a menina, que se mostra mais interessada em se tornar a próxima Marie Curie do que em seguir os passos do pai, retoma a ideia da figura feminina que contraria as expectativas da sociedade. E, até certo ponto, o mesmo pode ser dito a respeito da trapezista Colette (Eva Green).
Muitas vezes, porém, falta aprofundamento dos personagens e das relações entre eles. Por exemplo, o longa estabelece uma breve ligação entre Holt e a senhora Jumbo, mas logo depois a esquece, assim como ignora o evidente paralelo entre o militar reformado e o filhote — ambos são alvo de zombaria devido a uma questão física. Se fossem explorados, esses elementos ajudariam a construir a jornada pessoal do herói humano e sua reaproximação com as crianças como um encadeamento de eventos. Em vez disso, seu momento de virada acaba reduzido a consequência de uma fala de Colette.
Tais tropeços são compensados pelo fato de Dumbo se manter como eixo do enredo. De longe, é a parte mais cativante do filme, não somente em virtude do belo trabalho de design e animação do paquiderme, mas graças, em grande parte, ao seu arco dramático bem definido, baseado em temas universais, como o poder do vínculo materno e o dilema entre buscar aceitação dos outros e abraçar a própria individualidade. Trata-se, obviamente, de algo herdado do filme original, mas aqui potencializado pela condução de Burton.
Habituado a transitar em um universo mais lúgubre, o diretor traz certa gravidade ao longa, impedindo-o de cair na pieguice. O visual, é claro, é um espetáculo à parte, transmitindo toda a grandiosidade do show business (com destaque para os figurinos criados por Colleen Atwood, vencedora de quatro Oscar, um deles pelo trabalho em Alice no País das Maravilhas) e, acima de tudo, o senso de encantamento nas sequências em que o elefantinho voa. Além disso, Burton tira bom proveito do fator nostalgia, inserindo referências ao clássico de 1941 na medida certa — inclusive na trilha sonora, composta por Danny Elfman. É bem difícil não sentir um nó na garganta na inevitável cena ao som de Baby Mine…
Em uma época em que os estúdios têm apostado suas fichas em refilmagens de grandes sucessos, é bem-vindo um projeto que procure oferecer ao menos uma visão original sobre algo já conhecido. Ainda mais nas mãos de um cineasta que parece entender o personagem e o coração da história.
Fonte: Jovem Nerd