Uma das coisas mais legais nos videogames é a facilidade com a qual podemos extrapolar algumas noções da física e exercitar nossa criatividade desafiando algumas regras de lógica do universo. Por mais que tenhamos visto ao longo dos anos mundos sendo construídos de forma espantosamente crível e fiéis a nossa realidade — e isso é fantástico — as vezes é bom só tentar umas maluquices.
A partir do momento que jogos começaram a dar uma real liberdade aos jogadores, as possibilidades incontáveis começaram a surgir, modders de GTA que o digam. Alguns títulos se aventuraram por esse caminho do “sem limites” como seu principal recurso e dentre eles esteve Just Cause, ainda no PlayStation 2. Doze anos depois do primeiro game, Just Cause 4 chega ainda mantendo a mesma essência e liberdade. Mas será que caos e destruição ainda são suficientes para manter a série firme?
O velho Rico está de volta
O protagonista Rico Rodrigues volta mais uma vez para depor um governo tirano, dessa vez no país fictício de Solís, localizado na América do Sul. A nação é dominada por velhos conhecidos de Rico, a Mão Negra, organização militar que esteve por trás de eventos de jogos anteriores. Rodrigues possui também uma motivação pessoal para lutar mais uma vez, seu pai provavelmente foi a mente responsável por criar a principal arma dos antagonistas, um dispositivo capaz de controlar catástrofes naturais.
A narrativa talvez seja a parte na qual o jogo mais se leve a sério, em contraste com suas mecânicas. Não é uma história ruim, mas me pergunto se não seria uma boa ideia torná-la mais leve e em sintonia com o exagero da ação. Os melhores momentos da trama são os quais o absurdo vem a tona, como no personagem que acredita que tudo é obra dos reptilianos ou a série de missões paralelas da cineasta que está rodando um filme em Solís.
Nesse sentido, um troféu deveria ser dado para o criador do “Tiago e Santiago Show”, um dos programas das rádios fictícias. Aquilo é genial com suas piadas, situações de vergonha alheia e discursos inflamados. O bom trabalho na dublagem do game (bem melhor que Just Cause 3) foi vital para todas esses textos funcionarem.
Kabum Doçura
Já demorei demais para falar de explosões e destruição em massa e isso é algo inadmissível para um texto que fala de Just Cause, então vamos a elas. Na luta de Rico contra a Mão Negra, nosso herói terá dezenas de bases e quartéis para causar o caos. Não dá para quebrar tudo, no sentido literal, mas há diversas estruturas destrutíveis: antenas, torres de comunicação, artilharias antiaéreas e inúmeros locais de armazenamento de combustível. Além desses, praticamente todos os veículos podem virar uma bola de fogo.
Mas ninguém coloca fogo em tudo isso com uma caixa de fósforo, correto? Pois bem o arsenal a disposição de Rico vai dos clássicos rifles, metralhadoras e lança-mísseis até coisas mais inusitadas, como uma arma de vento que, quando carregada, pode jogar longe até um tanque; e uma arma de raios, a qual tem um funcionamento bastante peculiar. O tiro secundário literalmente invoca raios do céu que começam a cair em campo aberto aleatoriamente. E sim, você pode ser atingido por esses raios e sim, eu fui pego neles mais de uma vez.

Um novo sistema que Just Cause 4 trouxe foi o de entrega de suprimentos que é bem parecido com o Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. Pelo menu é possível pedir suprimentos (desbloqueados cumprindo desafios ou avançando na história) e ele é entregue por avião. A diferença aqui é que além de armas e veículos para dar suporte às suas ações, é possível usar esse recurso para jogar um barco de guerra ou até um avião gigante na base inimiga, ou o meio de um campo de futebol. Certeza que ninguém espera um Boeing saindo de um inocente container.
Fora esses recursos Rico Rodrigues ainda conta com seus equipamentos clássicos: o paraquedas infinito, o wingsuit e o gancho que é de dar inveja a qualquer super-herói da DC ou da Marvel. Cumprindo algumas missões paralelas, é possível adicionar recursos interessantes ao gancho, como a habilidade de grudar balões nas coisas, propulsores e fortalecer o poder retrátil. E aqui deixo um desafio: tentem criar um airship minimamente estável.
Mas nem está chovendo!
Apesar de todas essas maravilhas produzidas por esse mundo de caos e coisas impossíveis, nem tudo é perfeito, a começar pelas catástrofes naturais, um dos grandes diferenciais dessa nova versão. Melhor dizendo, o problema não são as catástrofes, mas a falta delas.
Nevascas, furacões e tempestades só aparecem efetivamente em momentos específicos da história. Essas missões no geral são bem divertidas é verdade, mas fora desses momentos o clima é o mesmo em toda Solís, essas situações simplesmente não existem fora do enredo, o que é meio decepcionante. Não lembro de ter pego sequer uma simples chuva.
Outro ponto que deixa a desejar é o sistema de captura de territórios. O mapa de Solís é dividido em várias regiões e para tomá-las do poder da Mão Negra é preciso, de forma geral, destruir alguma base central ou fábrica de armamentos. Um sistema estratégico bem simples que por si só não é o problema. O ponto é que tomar esses locais geralmente é a mesma receita de bolo: desligue disjuntores, desative canhões, destrua reatores e hackeie um local, tudo isso sob tiroteio pesado.
Por fim é importante falar um pouco da parte técnica, em especial dos gráficos. Por vezes Just Cause parece um jogo de começo de geração ou do final da era anterior (essa análise foi feita em um PS4 Slim). Confesso que exceto por problemas de iluminação em animações, não é nada que comprometa a experiência do game, ainda que seja notório.
Por outro lado, telas de carregamento são incrivelmente rápidas o que me surpreendeu positivamente e quedas de FPS praticamente não ocorreram. Se esse suposto downgrade foi o preço a ser pago por uma boa performance em um mundo gigante como o de Just Cause 4, a troca valeu a pena.
Um plano é uma lista de coisas que dão errado
Just Cause 4 é um bom jogo por sua proposta de criar o caos, momentos explosivos e por tornar o mundo um grande parquinho de diversões. As missões da campanha são boas e trazem momentos eletrizantes para serem jogados em meio aos desastres naturais. É uma pena que esse recurso não seja tão bem aproveitado em outros momentos.
Com bons controles e um mapa gigantesco para ser explorado, a melhor parte da franquia ainda é usar de criatividade para tentar os planos mais absurdos, sem se preocupar muito com as consequências. Talvez para um próximo jogo a fórmula tenha que ser repensada e revisada, mas, por enquanto, Just Cause ainda entrega bastante do que promete.
Fonte: Jovem Nerd