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The Last of Us Part II | Review

“Esse é um jogo sobre ódio” é a frase que os fãs mais ouviram da Naughty Dog, desde que The Last of Us Part II foi anunciado, lá em 2016. O diretor criativo Neil Druckmann cansou de avisar que o game seria pesado e violento. Mas, mesmo com todos os alertas, confesso que não estava preparada para o que estava por vir. E, sinceramente, acho que ninguém está.

A história é sobre perda, redenção, trauma, culpa e a ligação indissolúvel entre amor e ódio. É uma experiência emocionalmente desafiadora não só pelos olhos da protagonista, mas também diretamente para o jogador, que é colocado em situações nada agradáveis de jogar — principalmente para quem é muito apegado ao primeiro game.

Pode até soar clichê, mas acredite: TLOU 2 não é uma experiência comum. É uma jornada intensa e autorreflexiva, que não é divertida o tempo inteiro e nos faz questionar não só as decisões da protagonista, mas também como nos sentimos sendo cúmplices de tudo o que acontece.

O game ainda sabe explorar o fato de que ter o controle em mãos é muito diferente do que só assistir, o que faz certos momentos causarem um impacto (muito) profundo no jogador. Curiosamente, o jogo é dividido em duas partes que se diferem em um ponto de virada importante na história que interfere e impacta o gameplay. Mas vamos chegar lá.

A expansão do universo de The Last of Us

A sequência se passa cinco anos depois do título original, com Ellie e Joel morando em uma comunidade em Jackson. O local tem uma rotina repetitiva e relativamente pacífica — só que, como era de se esperar, seria difícil que tal realidade perdurasse em um mundo pós-apocalíptico, e um acontecimento trágico acaba mudando a vida de todos da comunidade, colocando Ellie em uma jornada em busca de vingança.

O jogo tem um tempo próprio para reinserir o jogador naquele universo e apresentar o quanto ele foi expandido, usando cenas do presente e do passado para reconstruir o laço entre os personagens e o jogador. O que não quer dizer que tenhamos um início lento: vários acontecimentos chocantes e agitados chegam sem aviso.

Desde as primeiras imagens promocionais, The Last of Us Part II prometia ser visualmente impressionante — e realmente é. Mas não apenas pelos gráficos, que estão excepcionais e representam o ápice da atual geração, mas também pelo tamanho dos cenários.

Cada ambientação é ampla e cheia de caminhos diferentes. Há áreas tão extensas que chegam a ser quase pequenos “mundos abertos”. Esses locais ainda são repletos de suprimentos, coletáveis e conteúdo opcional, que desencadeiam diálogos que podem fazer falta se perdidos — o que instiga a exploração e adiciona uma camada de profundidade e realismo àquele universo. Alguns detalhes que envolvem interação, como quebrar o vidro de uma máquina velha de comida ou de um carro abandonado para encontrar itens extras, ajudam na sensação de amplitude do jogo. E os ruídos de ambiente, como um mosquito passando ou um pássaro cantarolando, fazem parecer que os cenários tomados pela natureza estão vivos — apesar de toda a destruição.

Acredite: as áreas são realmente imensas

O aspecto realista também é favorecido com a qualidade das animações, que torna a transição entre gameplay e cutscene quase imperceptível. O nível de detalhes em Ellie e NPCs secundários é elevado, e a personagem é muito expressiva e parece realmente viva.

Ela coça o nariz, enxuga suor e lágrimas com a manga da jaqueta, fumaça sai de sua boca quando está frio, suas pegadas marcam o chão quando pisa em poças de água ou de sangue e dá até para ouvir sua respiração em certos momentos. Além disso, é possível perceber a dilatação de pupila, veias saltadas nas mãos e até rosto vermelho em momentos de tensão. Essa expressividade toda resulta ainda em registros divertidos no Modo Foto, com Ellie fazendo caretas e expressões intensas.

O nível de detalhe é tão cuidadoso, que é até possível identificar os acordes e as batidas que Ellie faz ao tocar violão

A jogabilidade é uma evolução do primeiro jogo, mantendo o que deu certo, como os comandos básicos, mas adicionando novidades e ajustes para mostrar as diferenças entre jogar com Ellie e Joel.

Ela é menor que a maioria dos inimigos, o que é evidenciado pela posição da câmera na hora do combate — uma jogada inteligente dos desenvolvedores para mostrar a desvantagem da protagonista. No entanto, a “fraqueza” de Ellie acaba sendo usada ao seu favor. Por ser menor, ela é mais leve, o que resulta em uma movimentação mais rápida. A personagem consegue também se esquivar para contra-atacar, se rastejar, se espremer em frestas estreitas e se esconder até em gramas mais baixas.

Ellie usa sua agilidade e leveza para contra-atacar e superar as desvantagens

Um ponto negativo é o pulo, que parece desequilibrado e travado se comparado às outras mecânicas, já que só realmente funciona em momentos específicos que o próprio jogo determina. Em relação as armas e equipamentos, a personagem usa um canivete que não quebra (amém!), pode construir silenciadores para a pistola e usar flechas explosivas.

O que mais impressiona no gameplay de combate é que sua personagem realmente sente o impacto de ser machucada por um inimigo. Ela tropeça e fica nervosa, sua respiração fica mais tensa, sangue jorra na tela, prejudicando a visão do jogador, e atirar já não é mais tão fácil, uma vez que tudo isso afeta a precisão e a cadência dos disparos da arma.

Se você já achou o primeiro TLOU violento e pesado, é melhor se preparar para a sequência…

A inteligência do NPC acompanhante foi aprimorada, ajustando vários pontos problemáticos do primeiro The Last of Us. Aqui, ele se movimenta de forma mais cuidadosa e fica escondido sempre que possível, avançando de acordo com os movimentos de Ellie e adotando a abordagem que o jogador optar, seja ela mais direta ou furtiva. No entanto, ele não é livre de erros, e seus movimentos podem atrapalhar o jogador, empurrando a personagem para fora de um esconderijo, por exemplo.

Os inimigos também estão mais cuidadosos e, dependendo da situação, mais agressivos. O principal diferencial deles é que estão mais “humanizados”, o que faz com que o jogador sinta um peso ao matá-los. Isso porque eles gritam de dor ao serem atingidos, se engasgam com o próprio sangue e até lamentam pelo amigo que foi abatido — o que, apesar de ser uma ideia simples, faz toda a diferença para mexer com o psicológico de quem está com o controle em mãos.

É o jogador que escolhe a abordagem em cada combate, sendo possível agir de forma mais furtiva — explorando melhor, inclusive, as habilidades de Ellie — ou mais direta. Contudo, a mesma estratégia não funciona sempre: cada inimigo, os infectados, os WLF e os Serafitas, têm suas próprias características.

Os infectados estão relativamente mais fáceis do que no primeiro jogo, justamente por conta do canivete de Ellie. Abater Estaladores silenciosamente é ainda mais tranquilo do que os Corredores, só é preciso paciência. Mas há também duas novas “classes” que complicam a vida do jogador, são elas: os Espreitadores, que se escondem e esperam o momento mais propício para atacar; e os Trôpegos, um tanque que ataca com bombas de esporos.

A cereja do bolo de Cordyceps é o infectado mais poderoso do universo de TLOU que, para não estragar nenhuma surpresa, é melhor deixar o jogador ver por conta própria.

Os Espreitadores são uma dorzinha de cabeça a mais, já que  se escondem e até fogem da mira de Ellie

Os inimigos humanos são encabeçados pelo grupo WLF, uma milícia que tenta ocupar as zonas de quarentena ainda comandadas por militares. Os integrantes, apelidados de “Lobos”, usam cachorros para farejar intrusos, o que força o jogador que tentar se esconder a ficar em movimento o tempo inteiro para não ser encontrado. Abater um dos cãezinhos não é nada agradável, já que eles soltam ganidos de dor de partir o coração — então, se quiser manter sua consciência limpa, é preciso pensar rápido e abusar do stealth.

Há também os Serafitas, conhecidos como cultistas ou “Cicatrizes”, que são mais furtivos, porém, curiosamente, mais agressivos. Eles usam flechas para atacar e usam assobios para se localizarem, checando se nenhum aliado foi abatido. E, acredite, a sensação de estar escondida em uma área e ouvir assobios por todo lado, pensando apenas que está cercada de malucos que querem matá-la, não é nada confortante.

Ah, e é bom já se preparar para enfrentar mais de um tipo de inimigo de uma vez — e, quem sabe, até usar infectados ao ser favor.

Os cultistas são os inimigos mais agressivos do jogo — e também os que mais assustam!

O conjunto de elementos de jogabilidade estão bem balanceados, sem mecânicas baseadas em sorte; apenas na habilidade (e na paciência) do jogador.

Já a dificuldade de The Last of Us Part II acaba sendo relativa, uma vez que o jogo disponibiliza um leque imenso de opções de acessibilidade. É possível optar pelas escolhas clássicas, como “Trivial” ou “Moderado”, mas o jogador pode intensificar ou afrouxar elementos específicos. Por exemplo, se sua dificuldade é apenas no combate furtivo, dá para ajustar os inimigos para serem menos alertas — ou se está achando fácil demais, é só fazer o contrário.

A trilha sonora, composta novamente por Gustavo Santaolalla, é um dos elementos mais ofuscados do game, sendo prejudicada por não ser tão significativa e memorável quanto no primeiro título. O destaque fica para músicas simples de tensão que estabelecem o clima de combate. O barulho assustador dos infectados, a intensificação da respiração da Ellie e a falta de som em certos momentos de exploração se sobressaem no quesito sonorização.

A dublagem brasileira é competente, mas comete pequenos deslizes durante o gameplay. Por exemplo, os sons emitidos pela personagem quando ela faz força para atacar não foram regravados para português, mantendo as vozes originais americanas, o que dá para ser percebido por ouvidos mais apurados. Já a mixagem de som oscila durante os combates, fazendo com que algumas falas e diálogos fiquem difíceis de ouvir por ter tanto barulho. No entanto, não é nada que comprometa a experiência.

A primeira parte do jogo se estende entre 15 e 19 horas, dependendo de quanta exploração o jogador está disposto a fazer, que conta com vários momentos de tensão, surpresas e flashbacks… até chegar em um ponto de virada, que coloca tudo de cabeça para baixo.

O ponto de virada do jogo

É na segunda parte, que segue entre 5 e 8 horas da duração total, que acontece o ponto de virada, que não podemos entrar em mais detalhes para não revelar nada sobre a história, mas que basicamente mostra um outro lado da história de vingança de Ellie — que, para os fãs de longa data, será difícil de encarar. Muitas vezes, tive que parar de jogar por um tempo para assimilar tudo que estava acontecendo e aceitar tudo que era proposto.

Por conta de uma decisão criativa da história, o gameplay de antes perde o brilho, e o jogador já não se sente mais conectado à trama como antes. Os conflitos já não são mais tensos, os diálogos não são mais interessantes e o simples ato de jogar já não é mais divertido e é apenas desconfortável. Só que, por incrível que pareça, o game passa a impressão de que esse é justamente o seu objetivo — e os avisos de que seria emocionalmente desafiador realmente começam a fazer sentido.

O que é proposto é desgastante e difícil de ser digerido, e é preciso de mente aberta e de tempo para ser aceito, principalmente para quem já era muito fã do título. Isso porque o jogo expande a franquia para um caminho arriscado que, para mim, demorou (muito) para funcionar. Mas, por outro lado, intensificou minha experiência e me forçou a ver outras perspectivas — mesmo não gostando da proposta delas.

O nível de violência também aumenta, o que deixa a jogatina ainda mais pesada. O momento mais difícil desta segunda parte é quando o jogador é colocado em uma posição confusa e extremamente desagradável, que chega a ser desnecessária, uma vez que a mensagem já tinha sido entendida horas antes.

Apesar de pensar que alguns elementos perdem a mão, fazendo o jogo se esforçar demais somente para chocar, é preciso reconhecer que a história traça caminhos surpreendentes e imprevisíveis. A construção gradual da narrativa acaba gerando uma experiência pesada e intensa, em que você sente os pesos das ações das personagens. A jornada de Ellie que, a princípio, era apenas uma vingança, acaba se tornando algo muito maior e, de certa forma, grandioso.

Os cenários são incrivelmente detalhados, mostrando que a natureza está reivindicando o mundo

O desfecho do jogo é o ápice da história e também do envolvimento emocional do jogador com o game. Tantas coisas aconteceram que já existe uma sensação de desgaste, o que se encaixa muito bem com a jornada da personagem e com os temas que foram abordados. E é justamente no final, tão marcante e poderoso, que os jogadores mais relutantes com os rumos da história (como eu) ficam mais propensos a aceitá-las.

The Last of Us Part II é uma experiência única e intensa, que foge de tudo que já foi apresentado na indústria de games. Trata de uma história pesada e significativa que corre um certo risco de rejeição, mas que colocará muitos jogadores para pensarem não só nos temas abordados, mas também nas sensações que um game é capaz de provocar e em como é possível usar a interatividade para gerar sentimentos diversos.

O jogo acaba sendo uma porrada no estômago, mas que também conta com momentos de calmaria e reflexão, gerando acontecimentos ora mais doces, ora mais amargos. Os desenvolvedores já tinham avisado que não seria fácil de digerir — e, de fato, é uma experiência difícil, ainda mais em uma mídia em que o fator “diversão” geralmente é o grande foco.

No fim, The Last of Us Part II se arrisca e entrega uma experiência extremamente intensa, aproveitando tudo o que a atual geração de consoles permite ao máximo, com uma narrativa que trata principalmente sobre a relação entre amor e ódio. Você definitivamente não está preparado para o que está por vir.


The Last of Us Part II será lançado em  19 de junho exclusivamente para PlayStation 4. Este review foi feito com uma cópia do jogo cedida pela Sony.


Fonte: Jovem Nerd