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Quanto tempo você fica no celular? Talvez seja a hora de repensar essa relação

Desde o lançamento do primeiro iPhone, em 2007, os celulares com acesso à internet passaram a ser parte essencial do nosso dia a dia, permitindo uma comunicação rápida, acesso praticamente ilimitado a todo o conhecimento produzido pela humanidade, novas formas de se organizar as tarefas diárias, além de eternizar e tornar público momentos importantes de nossas vidas.

Porém, a nossa relação com os smartphones (e outros gadgets similares) se tornou algo não tão saudável. Um estudo publicado recentemente pelo Kaspersky, demonstrou que 79% dos brasileiros usam o celular para evitar conversas com outras pessoas, além de apontar que 37% dos usuários não sabe se distrair sem o aparelho por perto. Outra pesquisa, publicada na Universidade Süleyman Demirel, na Turquia, sugeriu que jovens diagnosticados com depressão, ansiedade e outros transtornos mentais fossem monitorados em relação ao uso excessivo de celulares.

Na virada de 2018 para 2019, a University College de Londres publicou um artigo que demonstrou que a depressão, problemas de auto-estima e pensamentos suicidas nas adolescentes do Reino Unido está diretamente correlacionado ao uso excessivo de mídias sociais.

Não bastasse os efeitos psicológicos de se usar os aparelhos por muito tempo, o Ministro da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão fez um levantamento que demonstrou que 25% dos estudantes do país tiveram a visão comprometida por conta da exposição à luz azul emitida por telas de celulares, tablets e computadores.

Esse uso constante e excessivo dos smartphones está relacionado a um conceito relativamente novo, e que é abreviado em apenas quatro letras: FoMO, o Fear of Missing Out (Medo de Perder Alguma Coisa).

O FoMO foi definido pelo autor Patrick James McGinnis como uma “apreensão constante de que os outros estão vivendo experiências recompensadoras da qual o indivíduo está ausente”. Basicamente: aquele barulhinho chato no fundo da mente que diz que todos os seus amigos estão se divertindo e você não.

Uma pesquisa publicada em 2016 na revista de psicologia Computers in Human Behavior, que estuda o impacto da tecnologia no comportamento humano, demonstrou que existe uma correlação direta entre o uso excessivo de smartphones e o desenvolvimento do FoMO, que por sua vez pode gerar transtornos de ansiedade, depressão e problemas relacionados ao sono.

Mas por que não conseguimos simplesmente deixar o celular de lado? Porque a interface e os aplicativos do seu smartphone foram especialmente desenhados para hackear a nossa mente.

A Economia da Atenção

Tudo isso faz parte de um sistema chamado Attention Economy, a Economia da Atenção, uma nova forma de se ganhar dinheiro que consiste em fazer com que o usuário passe o maior tempo possível em um ambiente digital, interagindo ali com o conteúdo apresentado. Esse tempo e esse engajamento são convertidos em dados, que posteriormente são apresentados para anunciantes que investem dinheiro naquela empresa, fazendo com que toda a engrenagem funcione como foi planejado.

A bolinha vermelha que mostra quantas notificações você não leu em determinado aplicativo, o sistema de rolagem de feed que é muito similar a um caça-níquel, os milhares de joguinhos com cores vibrantes, tudo isso está ali para capturar a sua atenção e criar um senso de urgência imediata que te força a visualizar tudo que chegou naquele momento.

Tristan Harris, ex-líder de Ética no Design da Google e uma das principais vozes críticas à Economia da Atenção, argumenta, em seu blog, que pior do que o FoMO, é o FoMSI, o Fear of Missing Something Important (Medo de Perder Alguma Coisa Importante), algo que nos motiva a checar as notificações do smartphone cerca de 150 vezes ao dia, na expectativa de que algo importante, pessoal ou profissional, tenha chego até nós.

Confira uma apresentação de Harris sobre a Economia da Atenção (ative a legenda em português):

No passado, se alguém mandava um e-mail ou deixava algum recado, nós respondíamos posteriormente, no momento em que fosse oportuno. Hoje, com as notificações do celular, tudo se tornou mais urgente, mais imediato, e pessoas passaram a levar seus trabalhos para casa, respondendo mensagens relacionadas ao trabalho até mesmo no meio da madrugada.

O problema se tornou algo tão grande que a França sancionou, em 2017, uma lei que dá ao trabalhador o direito de se desconectar de ambientes digitais relacionados ao trabalho após o fim do expediente, incumbindo, ao empregador, o respeito aos horários laborais de cada funcionário.

Outro fator importante para fomentar a Economia da Atenção é a criação de reciprocidade social. Se você me segue, eu te sigo de volta; um like por um like. Harris aponta que existe uma vulnerabilidade intrínseca ao ser humano em responder a gestos positivos feitos por outras pessoas, e que as principais empresas de tecnologia exploram exatamente isso.

Outra estratégia usada na Economia da Atenção é a enxurrada de informação. Muitos estímulos chegando ao mesmo tempo, sobrecarregando a mente do usuário, que, por sua vez, aumenta ainda mais o senso de urgência relacionado às notificações que estão chegando. Esse imediatismo causa fenômenos como um texto de 500 palavras ser considerado um “textão”, e, automaticamente algo chato, e um vídeo com mais de 6 minutos se tornar uma “palestrinha”.

Junte isso tudo a feeds infinitos e funções de auto-play, e a Economia da Atenção consegue florescer perfeitamente a partir das vulnerabilidades da mente.

Como melhorar a relação

A Apple e o Google, as duas principais empresas de tecnologia do mundo, já perceberam que o uso excessivo do smartphone e de outros gadgets é causa de vários problemas. Pensando nisso, ambas as empresas lançaram seus respectivos manifestos e ferramentas para ajudar o usuário a entender como é usado o tempo em cada um dos aparelhos.

O manifesto Wellbeing, do Google, diz que quer “ajudar na criação de hábitos saudáveis para toda a família e ajudar cada um a manter o foco no que é mais essencial”. Já o texto Screen Time, da Apple, quer ajudar o usuário a tomar decisões mais conscientes dentro do ambiente digital. Ferramentas nativas para se monitorar o tempo gasto no smartphone foram lançadas tanto no iOS como no Android.

Porém, esses aplicativos são apenas ferramentas que ajudam a monitorar o tempo de uso, e não necessariamente melhoram a qualidade da nossa relação com o smartphone. Por isso, aí vão cinco dicas listadas pelo Center for Humane Tech, movimento liderado por Harris que visa um design mais ético e humano em ambientes digitais, além de uma melhor relação dos usuários com a tecnologia:

1) Desativar todas as notificações de aplicativos de redes sociais

Mantenha apenas notificações de aplicativos como o WhatsApp, o Telegram e o Facebook Messenger, onde existe comunicação instantânea com pessoas que estão ali naquele momento.

2) Tela em preto e branco

As cores vibrantes dos ícones dos aplicativos também são formas de se conquistar a nossa atenção. Usar a interface do smartphone em preto e branco é um método para se limitar esse tipo de estímulo visual.

3) Mantenha apenas os aplicativos essenciais na home

Deixe de lado redes sociais, jogos e afins. Coloque ali somente o necessário para se realizar tarefas básicas. Abra os outros aplicativos através do menu completo do smartphone.

4) Não carregue o celular no quarto

Já virou rotina para muita gente colocar o celular para carregar do lado da cama durante a noite. O Center for Humane Tech sugere que se alimente a bateria do smartphone em algum outro cômodo da casa.

Mas… e o despertador? A solução é simples: compre um relógio.

5) Mensagens de voz

Apesar de muita gente não gostar de áudio no grupo de WhatsApp, o manifesto do Center for Humane Tech sugere que mensagens de voz são opções melhores para se enviar em aplicativos do tipo já que não necessitam de completa atenção visual de quem está mandando a mensagem e conseguem expressar de forma mais efetiva as emoções daquilo que se quer expressar.

Agora é hora de testar!

Além dos aplicativos nativos de controle de tempo da Apple e do Google, alguns outros softwares podem te ajudar a monitorar a quantidade de horas investidas no uso do celular e a diminuir as distrações e outros elementos que prejudicariam a atenção e o sono:

Quality Time: aplicativo de controle do tempo no celular. Mostra dados detalhados de quanto tempo foi gasto em cada um dos aplicativos usados naquele dia. A versão gratuita já cumpre bem essas funções.

Flipd: aplicativo gratuito que limita o acesso a jogos e redes sociais em períodos pré-determinados, impedindo que você entre no Twitter para ver um meme e acabe passando duas horas por lá sem fazer nada.

Mercury Reader: add-on gratuito para o Google Chrome que remove todo os complementos visuais de um artigo, apresentando apenas o texto para o usuário.

Flux: aplicativo gratuito para Windows e Mac que filtra a luz azul da tela, diminuindo o cansaço visual de se encarar o monitor por longos períodos de tempo.

Freedom: aplicativo gratuito para Windows e Mac que bloqueia o acesso a certos sites e programas por um determinado período de tempo.


No mundo em que vivemos, é praticamente impossível se desconectar completamente, já que muitas comunicações importantes do nosso cotidiano dependem dos smartphones. Os aparelhos não são inimigos, mas talvez seja o momento de pensar em uma relação mais saudável e menos dependente com eles, afinal, existe (muita) vida para além do black mirror.


Fonte: Jovem Nerd