A animação de Ultraman que chega hoje (1) à Netflix nasceu de um projeto ambicioso para reviver a popularidade de um dos heróis mais tradicionais do Japão.
Para que fosse feito, o anime exigiu muita cooperação e realocação geográfica. Nascido da parceria entre o estúdio de animação Production I.G. e o Sola Digital Arts, conhecido por seus trabalhos em computação gráfica, Ultraman fez com que parte do estúdio da Sola fosse realocado para outro bairro de Tóquio para ficar mais perto do Production I.G. Nesse novo espaço híbrido, foi criado uma sala dedicada à captura de movimentos, tecnologia utilizada para construir a base da animação que vemos no produto final.
O anime escolheu adaptar um Ultraman diferente do que estamos acostumados a ver. Sai o herói gigantesco lutando contra enormes monstros, entra Shinjiro Hayata, um jovem que ainda está aprendendo a usar sua armadura e ser um herói. Para entender melhor as decisões por trás da animação, fomos até o Japão a convite da Netflix e conversamos com Shinji Aramaki e Kenji Kamiyama, dois diretores veteranos da indústria.
Duas cabeças pensam melhor
Quando o projeto ainda estava só no papel, a Netflix não estava envolvida, e os estúdios pensavam em como entregar o melhor trabalho possível. Para isso, decidiram trabalhar juntos e chamar Aramaki e Kamiyama, dois diretores de peso para multiplicar suas habilidades.
Aliás, quase tudo na produção foi feito em duplas: estúdios, diretores, compositores e até mesmo os atores. Se você prestar atenção no pôster oficial do anime, é possível ver um ‘x” ao invés de um “+” entre os nomes, e isso foi pensado para passar a ideia de que seus talentos não foram somados, e sim multiplicados.

Cada um dos personagens principais foi interpretado por dois atores: um para fazer os movimentos e outro para a voz. A exceção é o caso do vilão Bemular, que teve o mesmo ator tanto na atuação física quanto na vocal — os diretores escutaram o teste dele e o escolheram sem saber que era a mesma pessoa que fez a captura dos movimentos!
Depois de gravar os atores, o pessoal da computação gráfica deu forma aos personagens animando por cima. São várias camadas, e, como não houve captura dos movimentos faciais, as expressões ficaram completamente por conta dos animadores. Os golpes e ataques foram exagerados para dar o ar de super, mesmo que tenham sido feitos por humanos. Em nossa visita, vimos uma sequência que mostrava a filmagem dos atores, passando pelas cores simples e sombreamento até chegar na versão final.
Aramaki e Kamiyama
Kenji Kamiyama escreveu e dirigiu a série Ghost in the Shell: Stand Alone Complex, assumindo a franquia de 2002 para frente. Ele está na Production I.G. desde 1987, quando ainda trabalhava como artista de cenário para obras como DuckTales e Patlabor. Enquanto isso, Shinji Aramaki estava começando sua carreira de diretor com Metal Skin Panic MADOX-01, além de trabalhar como designer de produção para animes como Bubblegum Crisis e como designer mecânico para títulos como Transformers.
O primeiro contato dos dois diretores com a franquia Ultraman foi ainda na infância, e ambos têm memórias da época em que conheceram o herói. Eles viram no projeto um desafio de apresentar o personagem não apenas para uma nova geração, mas também para o mundo. Além disso, Aramaki queria muito usar a tecnologia de captura de movimentos, e Kamiyama achou que a oferta seria interessante para trabalhar em dupla, o que não é uma prática comum. “Duas cabeças pensam melhor do que uma”, disse ele, durante a conversa com os jornalistas.
Ultraman mais humano
Para ser apresentado a uma nova geração de possíveis fãs, o Ultraman teve que diminuir de tamanho. A humanização do personagem é um ponto crucial tanto para atingir um público mais jovem quanto para se tornar atrativo para pessoas de todo o mundo, com as mais variadas culturas.
Para Kamiyama, a forma gigantesca do Ultraman original era intrinsecamente ligada à forma com que os japoneses costumam retratar suas divindades, criando estátuas gigantescas como uma maneira de homenageá-las. O diretor ainda citou que os brasileiros não tiveram tanto estranhamento em relação aos heróis colossais justamente por estarem acostumados com a figura do Cristo Redentor. Ele completou falando sobre a projeção dos sentimentos dos espectadores:
O Ultraman gigante não fala, então você projeta seus pensamentos e desejos no personagem, a graça está em não saber o que ele está pensando.
A versão da Netflix é diferente.
A série conta a história de Shinjiro Hayata, rapaz que herdou os Ultra Genes do pai, Shin Hayata, e é capaz de se transformar no Ultraman. O anime adapta a história do mangá de 2011, e acompanha a jornada pessoal do protagonista enquanto ele se torna um herói e aprende o real significado disso.
Planos futuros
A dupla Aramaki e Kamiyama já está trabalhando em outro projeto para a Netflix: eles assinam a direção de Ghost in the Shell: SAC_2045, que será feita do mesmo jeito que Ultraman: com a colaboração do Production I.G. com o Sola Digital Arts, captura de movimentos e computação gráfica.
Com os avanços da tecnologia, as pessoas estão descobrindo novos meios de se expressarem, como em Homem-Aranha: no Aranhaverso e Love Death & Robots. Aramaki também comentou sobre como os limites entre real e fantasia estão ficando meio indefinidos principalmente na ficção científica:
É interessante, você vê o rosto dos atores mesmo que seja uma animação.
Pensando nisso, os diretores levantaram uma questão que ficou sem resposta. Apesar do gênero de Ultraman ser anime, será que a série realmente pode ser considerada um anime?
Essa pergunta pode até não ter uma resposta definida, mas está claro que a primeira temporada de Ultraman, que levou apenas dois anos e meio para ficar pronta, foi uma aposta altíssima para os estúdios e diretores.
A primeira temporada de Ultraman está disponível exclusivamente na Netflix.
Fonte: Jovem Nerd