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Vencedor do Oscar 2019, Green Book – O Guia coleciona polêmicas e desavenças

A consagração de Green Book – O Guia como Melhor Filme no Oscar 2019 surpreendeu muita gente, já que Roma e A Favorita tinham vencido os principais prêmios dos sindicatos. Em tempos de indicações mais politizadas, com #OscarsSoWhite e #MeToo ganhando destaque, a produção comandada por Peter Farrelly era provavelmente a mais polêmica nos bastidores. A equipe de Green Book tem acusações que vão desde islamofobia até assédio sexual.

Além disso, o filme é tido como racista por analistas e a família de uma das pessoas retratadas tem dito que Green Book reforça estereótipos e passa uma imagem de um homem negro totalmente em função do homem branco — para que este seja o herói da história.

Talvez a figura mais polêmica do filme seja o roteirista Nick Vallelonga. Como escritor de filmes, ele não tem uma carreira especialmente prolixa: escreveu apenas cinco longas em 23 anos. Mas Green Book é especial porque Nick está escrevendo sobre a história do seu pai, Tony Vallelonga, aqui interpretado por Viggo Mortensen. Acontece que, no passado, Nick deu declarações especialmente complicadas e ofensivas sobre muçulmanos. Em resposta ao então pré-candidato a presidência Donald Trump, Nick dizia que vários muçulmanos ficaram contentes com o atentado terrorista das torres gêmeas, em 2002.

Quando a mensagem publicada em 2015 veio a tona após sua vitória no Globo de Ouro, Nick imediatamente deletou sua conta do Twitter e emitiu uma nota pedindo desculpas pela declaração. “Passei a minha vida tentando adaptar essa história sobre superar diferenças para as telas e sinto muito por todos os associados a Green Book. Eu particularmente me desculpo profundamente com o brilhante e gentil Mahershala Ali e todos os membros da fé muçulmana pela dor que lhes causei. Lamento também ao meu falecido pai que mudou muito com a amizade do Dr. Shirley. Prometo que essa lição não está perdida para mim.”

Veja a mensagem original (atualmente deletada) abaixo:

 

“Muçulmanos comemoraram quando as torres caíram. Eu vi, assim como você viu, provavelmente no noticiário local da CBS”

O diretor Peter Farrelly, que é mais conhecido por seus filmes de comédia como Debi e Loide, foi outro que causou polêmica por atos feitos anos atrás. Ele foi acusado de assédio sexual durante os anos 90, depois admitiu que mostrou seu pênis para a atriz Cameron Diaz sem consentimento e pediu desculpas: “Eu fui um idiota. Fiz isso décadas atrás porque achei que estava sendo engraçado”, reconheceu ele em uma carta à imprensa logo depois do filme ganhar o Globo de Ouro. Ele continuou: “A verdade é que hoje eu fico envergonhado dessa ação. Minhas sinceras desculpas”.

O “Magical Negro”

Green Book mostra o ítalo-americano glutão Tony “Lip” Vallelonga que, depois de perder seu emprego de segurança de boate, consegue o “bico” de ser motorista do talentoso e culto pianista negro Dr. Don Shirley (Mahershala Ali). Juntos, os dois embarcam em uma arriscada turnê pelo sul dos Estados Unidos — região que era tradicionalmente racista e não aceitava negros na maioria dos seus estabelecimentos. Na jornada, Vallelonga (Viggo Mortensen) salva Shirley de vários apuros, dá lições de moral e convence o músico a comer frango empanado (o que se torna uma parte importante da trama).

Shirley também ajuda Vallelonga como uma figura quase de “educador” — proibindo o falastrão de jogar lixo pela janela do carro e até redigindo prosaicas cartas de amor de Tony para sua esposa. A ideia é que o culto Dr. Shirley “melhore”o homem branco, enquanto Vallelonga “ensina” coisas tipicas da cultura negra para um homem que não se identifica com a própria cultura.

O filme foi classificado como uma obra que personifica o esteriótipo do “Magical Negro” — um termo popularizado por Spike Lee para obras onde um homem negro culto educa e move a história de um homem branco, que seria o verdadeiro protagonista da história. Um artigo sobre o esteriótipo escrito por Matthew W. Hughey  explica que “os poderes desse tipo de personagem são usados ​​para salvar e transformar brancos desgrenhados, incultos, perdidos ou quebrados em pessoas competentes, bem-sucedidas e satisfeitas dentro do contexto do mito americano de redenção e salvação”.

Embora, de certa perspectiva, o personagem pareça estar mostrando os negros sob uma luz positiva, ele ainda está subordinado aos brancos. Ele também é considerado uma exceção, permitindo que a América branca goste de negros individuais, mas não da cultura negra.

Críticas da família de Don Shirley

Green Book é baseado em histórias que o próprio motorista contou para seu filho, o roteirista Nick Vallelonga, então é de se esperar que o roteiro tenha um “lado” na história. E o filme, de fato, tem.

Os herdeiros de Shirley não gostaram do longa e disseram que Green Book é “um mar de mentiras” e que é mais um caso em que “o homem negro está sendo representado pela visão de homens brancos”. O sobrinho do músico diz que a amizade entre Shirley e Vallelonga nunca existiu da maneira que é retratada no filme. Outra falácia, segundo a família, é o distanciamento de Shirley dos seus irmãos. O filme dá a entender que ele é um homem recluso, enquanto o sobrinho diz que ele tinha uma forte relação com vários de seus parentes.

Não foi só a família do músico que não gostou do filme retratar a história de um negro contada por brancos. O diretor Spike Lee, de Infiltrado na Klan, ficou furioso com a vitória de Green Book no Oscar e tentou ir embora do auditório sem nem aplaudir.

Por conta de toda essa polêmica, Ali — que ganhou o Oscar por sua representação de Shirley — se desculpou com a família do pianista. Na conversa com o irmão e o sobrinho, o ator disse: “Se ofendi vocês, sinto muito, minhas sinceras desculpas. Eu fiz o melhor que pude com o material que eu tinha. Não sabia que ele [Don Shirley] tinha parentes tão próximos com quem eu poderia ter consultado para adicionar algumas nuances ao personagem.”

The “N-word”

O ator indicado ao Oscar Viggo Mortensen também teve que se desculpar depois de pisar na bola. Ele estava divulgando o filme em uma sessão de perguntas e respostas, quando usou a “n-word”, uma palavra que deprecia os negros nos EUA: “Por exemplo, ninguém mais fala ‘n*’ hoje em dia…”, disse no painel ao falar sobre os avanços de representações raciais nos EUA.

A palavra é um insulto racial que foi muito usado para se referir a escravos e aos negros de maneira pejorativa. Por motivos óbvios, não cai muito bem quando um branco usa o termo. Ainda mais para divulgar um filme que fala sobre as mazelas do racismo no país.

Mortensen se desculpou pelo uso da palavra e disse que não usará mais o termo completo. “Embora minha intenção fosse falar fortemente contra o racismo, não tenho o direito de sequer imaginar a mágoa causada por aqueles que ouviram essa palavra em qualquer contexto. Especialmente vindo de um homem branco. Eu não uso a palavra na minha vida privada ou em público. Lamento muito que tenha usado a palavra completa ontem à noite. Eu não pronunciarei novamente.”

Seu parceiro de cena, Mahershala Ali também emitiu uma nota criticando o uso da palavra na divulgação do filme e desculpando Mortensen pelo erro: “Por mais bem intencionada que a conversa possa ter sido, não era apropriado que Viggo dissesse a palavra. Ele deixou claro para mim que está ciente disso e pediu desculpas imediatamente após a sessão de perguntas e respostas”, escreveu o ator, que continua: “Sabendo que sua intenção era mostrar que remover a palavra do vocabulário não desqualifica ninguém de ser racista, posso aceitar esse seu pedido de desculpas.

Ali ainda finaliza sua declaração com um relato forte sobre o uso da palavra: “O uso da palavra por aqueles que não são negros não está em debate. A história de discriminação, escravidão, dor, opressão e violência que a palavra traz só causa danos aos membros da comunidade negra e, portanto, precisa ser deixada no passado.”

Produtor Vs. Jornalista

Muitas dessas insatisfações com brancos fazendo um filme sobre racismo foram repercutidas em críticas de revistas norte-americanas. O produtor Chales B. Wessler não gostou dessas críticas e decidiu ir tirar satisfação com alguns jornalistas. “Green Book está longe de ser um filme racista. Foi feito por pessoas brancas e negras. Afro-americanos em sua maioria AMAM esse filme” , escreveu o produtor no e-mail para a jornalista Jenni Miller, da NBC.

Não é comum que produtores e críticos troquem farpas por e-mail, mas aqui Wessler direcionou vários pequenos ataques a Miller. Ele chama a resenha publicada na internet de mentirosa e “caça-cliques”, além de insinuar que ela não assistiu ao filme.

Confira o e-mail completo:

Wessler ainda tentou “corrigir” a resenha dizendo que o nome do protagonista é Tony e não Frank. Na realidade, o nome de Vallenlonga é sim Frank e seu apelido é Tony Lip.


Green Book, se passa em 1962 e conta a história de um segurança que é contratado como motorista de um pianista negro de classe alta. Eles são orientados a seguir o “O Guia” — um livro que mostra os estabelecimentos seguros, onde os negros seriam bem vindos e respeitados.




Fonte: Jovem Nerd
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