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Watchmen | Segundo episódio foi denso e recheado de referências históricas

Aviso: spoilers abaixo!

Assim como na estreia, o segundo episódio de Watchmen trouxe um punhado de referências que extrapolam o universo dos quadrinhos — algo que Alan Moore, coautor da graphic novel na qual a série se inspira, costuma fazer em seus trabalhos.

O roteiro, assinado pelo showrunner Damon Lindelof em parceria com Nick Cuse, mergulhou ainda mais fundo na História ao conectar o garotinho sobrevivente do massacre de Tulsa a outro episódio verídico: durante a Primeira Guerra Mundial, os alemães tentaram abalar a lealdade dos soldados negros norte-americanos usando propaganda que explorava a discriminação que estes sofriam por parte de seus compatriotas. Por sinal, o folheto que vimos nas mãos de O.B. (Steven G. Norfleet) e, em seguida, nas de seu filho, o pequeno Will, teve o texto baseado em panfletos reais, documentados em livros históricos.

Aquele pedaço de papel e a revelação de que o velho Will (Louis Gossett Jr.) é o avô de Angela (Regina King) se relacionam à segunda descoberta significativa: a de que Judd (Don Johnson) foi membro da Ku Klux Klan. Ainda que o espectador mais atento já desconfiasse que o chefe de polícia teria um passado problemático, a informação não deixa de ser surpreendente. Os indícios, porém, estavam lá, tanto na narrativa — Angela era a única pessoa negra na reunião promovida pela viúva, Jane (Frances Fisher) — quanto no próprio título do episódio. Martial Feats of Comanche Horsemanship (algo como “façanhas marciais de cavalaria comanche”) brinca com a ordem das palavras em Comanche Feats of Martial Horsemanship, título de um quadro (ostensivamente presente na casa de Judd) pintado em 1834 por George Catlin, artista que se dedicou a retratar os nativos americanos.

A inversão dos termos passa a fazer sentido quando se considera que o nome da Sétima Kavalaria, a milícia terrorista formada por admiradores de Rorschach, é uma clara alusão à 7ª Cavalaria, regimento do exército estadunidense famoso por lutar contra diversas nações indígenas no período posterior à Guerra Civil Americana e, mais ainda, por ter sido derrotado pelas forças do chefe Cavalo Louco, da etnia lakota, na batalha de Little Bighorn, em 1876. Vale lembrar que foi justamente nesse época que, movido pela frustração, um grupo de veteranos do exército confederado fundou a KKK para defender a supremacia branca.

É bem possível que as duas organizações racistas estejam relacionadas — o “K” de Kavalaria é significativo. Nesse caso, não é difícil imaginar que Judd tenha tido algum papel na Noite Branca, talvez como informante, repassando nomes e endereços dos policiais alvejados, ou até mesmo tomando parte ativa nos ataques. Afinal, quando Angela estava no hospital, ele contou uma versão ligeiramente diferente dos eventos, mencionando o primeiro mascarado, esfaqueado, mas omitindo o segundo, cujo destino manteve-se desconhecido.

Além de habilmente incorporar fatos históricos ao enredo, o episódio conseguiu explorar muito bem outro elemento pinçado da graphic novel: o uso das subtramas envolvendo os vigilantes do passado como contextualização, aqui sob a forma do programa de televisão American Hero Story. Além de ressaltar o impacto que os super-heróis tiveram na sociedade — incluindo aí a discussão sobre os limites entre justiça e crime —, o trecho do show serviu para refletir as questões de identidade que passaram a atormentar Angela. Quando o Justiça Encapuzada (o sujeito que interveio no assalto ao mercado) disse “se eu soubesse a resposta, não estaria usando uma máscara”, ele estava, de certo modo, rebatendo a questão feita mais cedo por Will à protagonista: “Quem é você?”.

Outras referências à HQ foram a interação entre o vendedor e o garoto na banca de jornal e a brincadeira de pirata com as filhas adotivas de Angela, fazendo alusão aos Contos do Cargueiro Negro. E desde a estreia, a série tem insistindo em um tema recorrente nos quadrinhos: a imagem dos relógios, especialmente no núcleo protagonizado por Adrian Veidt (Jeremy Irons). A ideia de que todos seus empregados são clones descartáveis só fez aumentar a estranheza em torno dessa narrativa, assim como sua fixação com a peça sobre a origem do Dr. Manhattan (“Sra. Crookshanks, quando uma mentira não é uma mentira?” “Quando é atuação, mestre”). Quem sabe essa versão do Ozymandias não seja também um clone? Isso explicaria os bolos de aniversário…

Há, é claro, outras questões que precisam ser respondidas. Quem estava pilotando a nave que resgatou Will? E qual é a “conspiração enorme e maquiavélica” que está em andamento em Tulsa? Talvez as pistas já tenham sido apresentadas, mas nós não prestamos atenção suficiente.


Fonte: Jovem Nerd